Inovação na indústria da construção civil

Inovação na indústria da construção civil já é uma realidade, entretanto, ainda há muito por fazer em um setor que é considerado um dos mais tradicionalistas.

Este texto é uma resenha do artigo publicado pela empresa de consultoria McKinsey e que pode ser baixado aqui.

Sobre a construção civil

Há três verdades que representam a construção civil, que são logo identificadas por quem não atua diretamente nessa indústria.

Em primeiro lugar, o tempo. O setor não costuma levar seus projetos dentro dos prazos iniciais e as obras, quando concluídas, levam em média 20% mais tempo que o estimado.

Não é preciso muita pesquisa para concluir que esse indicador, no Brasil, não é muito diferente. Entretanto, quando associado a obras públicas o número passa a ser bem maior.

relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2019 aponta 14 mil obras paralisadas no país, tratando-se apenas de obras que contam com recursos federais.

Ou seja, praticamente 1/3 das obras iniciadas estão inacabadas e, pior, sem prazo para terminarem.

Em seguida, o custo é outro indicador a ser melhorado. Diretamente abalado pelo atraso nas execuções das obras, os indicadores mundiais apontam que 80% dos projeto são finalizados acima do orçamento.

O grande efeito sobre o custo e tempo está na produtividade baixa.

Boa parte dos processos produtivos ainda são rudimentares, praticamente artesanais. Ou seja, são dependentes da capacidade da mão-de-obra, do ‘artesão’, em realizar sua ‘arte’.

E em terceiro lugar, o resultado das construtoras, que poderiam ser mais estáveis e maiores que os atualmente praticados.

Antes de falar sobre inovação

A construção civil tem buscado inovar. Já faz parte do seu vocabulário palavras como construtech’s, proptech’s e hubs de inovação.

Embora sejam todas iniciativas disruptivas e relevantes, o artigo da McKinsey aponta uma tendência mundial e que se repete no Brasil. Consertar ou melhorar o básico deveria ser prioridade, mas não tem sido assim.

Como tratar, por exemplo, de BIM quando a comunicação entre empreendedores, projetistas e produção ainda demanda de maior planejamento?

Na contramão da digitalização do setor ainda está a falta de integração entre a indústria de materiais de construção, as cadeias de distribuição e o consumo.

Não há ainda, por exemplo, soluções que efetivamente rompam a barreira do tradicionalismo na cadeia de suprimentos.

Por fim, além do foco estratégico precisar de redirecionamento, o investimento em P&D permanece muito baixo, em menos de 1% das receitas, quando outros setores praticam, em média, 4% das receitas.

O foco tem sido produção e não produtividade

Fazer mais com menos. Esse é o segredo que aprendi, desde logo, com o Mestre Antonio Castanheira Neto no curso de graduação em engenharia civil, na FEI. 

Dizia ele:

A diferença entre o leigo e o engenheiro é de 1 dólar

A explicação. Para se produzir o mesmo, enquanto o leigo gastaria 2 dólares, o engenheiro necessitaria apenas 1 dólar.

Contudo, a realidade mercadológica por vezes ultrapassa a boa técnica. A meta é fazer, produzir, sem grandes preocupações sobre a melhor técnica empregada no que se produz.

Sobretudo, mais uma vez o tradicionalismo toma sua posição de destaque nesse setor. 

Na contramão da inovação, a teoria do risco impera. Melhor fazer o mesmo, ou com o mesmo, como sempre se fez, do que se tentar algo novo.

E quando se diz ‘com o mesmo’ refere-se aos subempreiteiros. Outra característica do setor, terceirizar praticamente tudo, tornando-se o empreiteiro um administrador de contratos, ou melhor dizendo, um gerenciador de crises.

Aponta o relatório da McKinsey que nos próxima década o mundo precisará gastar US$ 57 trilhões em infraestrutura, isso apenas para apoiar o crescimento do PIB. 

Somado a esse volume de demanda está a necessidade por construções mais sustentáveis, em um realidade com projetos de maior complexidade.  

Em suma, ou o setor de construção civil se reinventa, ou logo se tornará um grande gargalo para o crescimento da economia mundial.

Grandes ideias 

Apesar da retórica sobre a necessidade de soluções de base para ‘destravar’ o setor da construção civil, por outro lado, as cinco grandes ideias defendidas pela artigo fogem desse contexto.

Embora sejam ideias viáveis, como defende o próprio artigo, tratam-se de soluções complexas, ao menos para o contexto do Brasil.

Por que não falarmos, por exemplo, de investigações bem elaboradas, antes de avançarmos para levantamentos de terrenos mais sofisticados?

É uma realidade, as surpresas geológicas causam atrasos nos projetos, entretanto, essas realmente ocorreriam por causa do emprego de técnicas de investigação rudimentares ou seria pela insuficiência ou até mesmo a não realização desses levantamentos?

A aposta aqui é, primeiro, garantir que se faça bem o necessário, antes de partir para novas técnicas, como proposto pelo artigo.

Até mesmo porque nem sempre o emprego de fotografia de alta definição, varredura a laser 3-D, sistemas de informações geográficas e modelagem 5-D podem ser viáveis em todo tipo de projeto.

Inovação, finalmente

O que separa a inovação das ideias é a viabilidade de sua aplicação. Afinal, de que adianta uma boa ideia se não for possível implementá-la?

O caminho da inovação quase sempre passa pela tecnologia. 

Há muita tecnologia disponível e boas soluções já estão sendo empregadas no setor da construção civil. O artigo menciona algumas dessas soluções.

A digitalização, talvez a de maior viabilidade de implantação, consiste no abandono do papel. Com o seu abandono, aparecem os ganhos na confiabilidade, segurança e velocidade do compartilhamento das informações.

A revisão de um projeto, por exemplo, que no método tradicional depende de impressão, distribuição e, principalmente, garantia de substituição da versão obsoleta, com a digitalização isso tudo ocorre de uma vez, em tempo real.

Nessa mesma linha, fluxos de aprovações podem ser associados em diversos processos.

Medições, apontamentos e relatórios de campo digitalizados. Com cuidados na escolha das ferramentas adequadas e com a implementação gradativa, os benefícios obtidos podem ser significativos.

Internet das Coisas

Do papel para o digital e em seguida para automação. Já é possível que a coleta de informações ocorra de forma automática.

Mais do que coletar, processos e equipamentos podem conversar e diante a troca de informações e de resultados podem tomar decisões, corrigir e até mesmo suspender tarefas.

A Internet das Coisas, como é conhecida esse tipo de tecnologia, tem possibilitado inovações cada vez mais significativas.

O artigo traz alguns exemplos de usos potenciais:

  • Telemetria de equipamentos, que controlam desde o tempo de funcionamento, acionamentos de componentes, movimentos, até o desgaste de peças e alertas de manutenção.
  • Almoxarifado. Controlar a entrada, a saída e a aplicação dos materiais e a localização de equipamentos leves evitando, por exemplo, o extravio e o mal uso desses equipamentos.]
  • Inspeções de qualidade e segurança. Monitoramentos das estruturas por meio de sensores para medições de resistência e de confiabilidade durante a execução da obra.]
  • Otimização de recursos. Monitoramento do uso de água, combustíveis e de energia elétrica.

A tecnologia de comunicação por proximidade (NFC) de uso mais popular é a identificação por radiofrequência (RFID) que emprega adesivos, tag’s de leitura (pequenas antenas), cada vez menores e mais resistentes à intempéries.

Considerações finais

A reescrita do baixo histórico da indústria da construção em inovação e adoção de novas tecnologias é inevitável.

Os empreendedores, antes confiantes que bastava contratar o empreiteiro, percebem a necessidade de cercarem-se de garantias quanto aos atrasos na construção. 

Por sua vez os empreiteiros, antes acostumados a seguirem minimamente o contratado, veem potencial em diferenciarem-se da concorrência a oferecerem processos mais eficientes de produção, garantindo economia e maior lucratividade.

Afinal, insistir no tradicionalismo seria o mesmo, por exemplo, de continuar a se comunicar por cartas quando há o e-mail,  sendo que até o próprio e-mail hoje tem sido substituído por mensagens instantâneas por WhatsApp e Telegram. 



Autor: Marco Antonio Portugal
Marco Antonio Portugal. Mestre em Gestão da Inovação e Engenheiro Civil pelo Centro Universitário da FEI, com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV, MBA Executivo em Administração pelo Ibmec e MBA em Administração pelo Centro Universitário da FEI, possui mais de 25 anos de experiência no setor de Construção Civil. Possui certificação como Project Management Professional – PMP® pelo Project Management Institute – PMI.

Deixe um comentário