Nova Lei de Licitações: O que muda na Construção Civil?

Além da Lei, 8.666/1993, a nova Lei de Licitações 14.133/2021 extingue também a Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão) e boa parte da Lei 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC).

As Leis afetadas permanecerão em vigor por dois anos, até 31/03/2023. No entanto, o licitante poderá optar em aplicar a nova Lei de Licitações de imediato, bastando referenciá-la no edital e desde que não a aplique em conjunto com as outras Leis. Portanto é importante, desde já, conhecer e adaptar-se as novas regras.

A Lei 8.666/1993, também conhecida como Lei de Licitações, levou dois anos para ser elaborada. Ela nasceu do PL 1491/1991. No entanto, dois anos após entrar em vigor sua revisão já era considerada necessária.

A atual lei, 8.666, é recente, mas hoje já existe uma quase unanimidade nacional de que precisa, com urgência, ser profundamente mudada, senão substituída por uma lei nova (Bresser Pereira, 1996).

Nesse sentido, duas iniciativas, uma do Senado Federal (PLS 559/2013) e outra da Câmara dos Deputados, em comissão especial formada em 2015, finalmente resultaram em um novo texto para Lei de Licitações.

A Lei de Licitações é voltada para todas as compras e contratações realizadas pelo setor público. A maior crítica sobre o texto anterior estaria no seu excesso de burocracia.

As maiores licitações, quase todas relacionadas a contratação de obras, são as mais afetadas pela lentidão causada pelos trâmites da lei, ora reformada. Por consequência disso é que foi criada a Lei do RDC, para possibilitar maior agilidade nas contratações das obras para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, ambas sediadas pelo Brasil.

Mas, no que teria resultado a nova Lei de Licitações, em especial para o setor da Construção Civil? Ou seja, além da burocracia, a nova Lei seria um instrumento mais preparado para o combate à corrupção?

Não lhe faltam críticas

Mal fora aprovada e a nova Lei de Licitações já recebeu (a ainda vem recebendo) uma série de críticas, em princípio, negativas.

No diálogo promovido pela Comissão de Infraestrutura (Coinfra) da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o Presidente da Coinfra/CBIC informou que a entidade esperava da nova Lei soluções sobre três pontos cruciais para evitar a paralisação de obras:

  • Melhoria da qualidade de contratação de projetos;
  • Licenciamento ambiental;
  • Pontualidade para evitar atraso de pagamentos.

No entanto, apesar de previstos no texto original, esses pontos teriam sido vetados pelo Presidente da República, informou o executivo.

A entidade esperava por vetos do Presidente sobre dois dispositivos da Lei. O Art. 29, que proíbe o uso do pregão para obras e serviços de engenharia, e o Art. 56, inc. I, que obrigava o pregão. Desse modo, a entidade entende haver um conflito. No entanto, ambos os dispositivos permaneceram na Lei, promulgada no dia 01/04/2021.

Outros participantes desse encontro também relataram as insatisfações e preocupações das entidades que representam sobre as regras de licitações para obras trazidas pela nova Lei.

  • Excessos de burocracia, preocupação demasiada com documentos e de processos (CBIC);
  • Preocupações com relação ao critério de desempate, programa de integridade, seguro garantia generalizado e sobre o prazo de solidez e insegurança (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – Confea);
  • Questões referentes à matriz de risco, prazo de fatura, seguro, fatores de desempate e diálogo competitivo (Sicepot-RS).

Ainda podem ser esperados alguns desdobramentos sobre essa Lei. Em princípio, seria a derrubada de alguns dos 26 vetos presidenciais. Pode-se esperar que haja também a complementação da Lei por meio de alguns Decretos.

Nova Lei de Licitações: Principais impactos

Em pesquisa sobre o papel das leis brasileiras no combate à corrupção nas licitações de obras, foram nomeadas dez causas ligadas ao quadro de corrupção sistêmica que é observado nesse setor no Brasil.

De acordo com a pesquisa, dessas dez causas, três seriam as principais:

  1. Especificações de projetos;
  2. Orçamento base;
  3. Estudo de viabilidade.

Essas causas estariam intimamente ligadas ao sobrepreço e aos aditivos contratuais, ambos alimentadores da corrupção.

Na época da pesquisa, ainda na forma de projeto, as novas normas não se mostravam adequadas. Em suma, não haviam tratamentos que pudessem ser considerados suficientes para uma melhor condução das contratações de obras públicas, em especial no seu combate à corrupção.

A seguir, uma reavaliação de como cada uma dessas dez causas refletem-se na nova Lei de Licitações.   

Especificações de projetos

A nova norma traz que a licitação de obras poderá ocorrer por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo. Outros requisitos também passam a compor a fase preparatória do processo licitatório.

A adoção de termo de referência e de anteprojeto nas licitações traz incerteza nas definições de escopo. Essas podem ser ainda maiores que as já experimentadas sobre os projetos básicos. Incertezas no escopo são causadoras de diferenças de preços de 20% até 50%.

Orçamento base

A existência de um orçamento detalhado era elencada como uma das premissas para haver a licitação. De acordo com a norma atual, o orçamento detalhado é definido apenas como uma das partes que compõem o projeto básico.

Vigora agora o orçamento estimado como uma das exigências para haver o processo licitatório.

Não há uma definição para orçamento estimado. Essa sequer foi veiculada no Capítulo III, que trata das definições na nova Lei de Licitações. Antes também não havia uma especificação, um entendimento a respeito de orçamento detalhado.

O Decreto 7.983/2013 estabelece regras e critérios para elaboração do orçamento de referência de obra, todavia, suas diretrizes são superficiais e de abrangência limitada às obras que utilizem de recursos da União.

Estudo de viabilidade

Antes era suficiente uma previsão de recursos orçamentários para o pagamento da obra. A nova Lei de Licitações prevê que esse tratamento ocorra no plano de contratações anual.

O plano de contratações anual deverá ser elaborado pela entidade licitante. Ele tem por objetivos racionalizar as contratações, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das provisões orçamentárias.

Destaca-se que esse plano pode ser elaborado sobre termos de referência, anteprojetos ou projetos básicos, culminando em premissas estabelecidas sobre elevados níveis de incerteza. 

Vemos, portanto, mesmo que resguardada “a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido”, não há na nova Lei prerrogativas mínimas para se elencar um estudo de viabilidade.

Divulgação

Aqui, talvez, tenhamos uma das mudanças mais estruturantes sobre os processos licitatórios. 

A Nova Lei de Licitações instituiu o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). O seu desenvolvimento pode ser acompanhado pela página do projeto.

A lei reformada mantinha a Imprensa Oficial, apresentada normalmente em formato físico em papel, como meio de divulgação de lançamento dos editais de licitação. Isso era um grande limitador para a divulgação dos editais.

Portanto, associada à divulgação do plano de contratações anual em sítio eletrônico oficial, essas divulgações propiciarão por sua transparência, maior participação de empresas nos certames. 

Consórcios

Os consórcios passam a ser admitidos, considerando o acréscimo de no mínimo 10% e limitado em 30% sobre o valor exigido de licitante individual para a habilitação econômico-financeira. Antes, o acréscimo era de até 30%.

O acréscimo de no mínimo 10% ainda é pequeno para cercear algumas práticas anticompetitivas. Apesar de apresentarem condições de participarem isoladamente, empresas podem juntar-se em consórcios com o único objetivo de formarem cartéis e assim restringirem a concorrência.

Qualificação das proponentes

Denominada atualmente como vistoria prévia, o paradigma das visitas técnicas, que fora instituído pelos editais de licitações, foi finalmente superado pela nova Lei de Licitações. Estabelece-se agora que “o edital de licitação sempre deverá prever a possibilidade de substituição da vistoria por declaração formal assinada pelo responsável técnico do licitante acerca do conhecimento pleno das condições e peculiaridades da contratação.”

Outro ponto a favor do novo texto, apesar de poder demandar maiores esforços por parte do órgão licitante. A Administração terá que disponibilizar data e horário diferentes para os eventuais interessados por realizar a vistoria prévia.

As visitas técnicas, antes impostas pelos editais de concorrência, se resumiam à mera formalidade de se buscar um papel no escritório do órgão público. Muitas vezes esses atestados de visitas eram fornecidos sem sequer se visitar o local da obra.

Os interessados mais distantes do local da obra muitas vezes se viam em desvantagem de igualdade quando comparados aos licitantes localizados na mesma cidade do objeto da concorrência. Por exigências do edital, deveriam deslocar pessoal específico, normalmente o Responsável Técnico (RT) da empresa, e assim dispender de recursos para deslocamentos e hospedagens.

Essas visitas eram normalmente agendadas para ocorrem em uma única data e horário. Com isso, os licitantes acabavam se revelando uns aos outros, de modo que pudessem estabelecer contatos posteriores para combinações de fraudarem a concorrência.

Os atestados de capacidade técnica eram exigidos apenas por força de um entendimento equivocado sobre a Lei, após veto e redação final do texto que tratava da matéria. Agora sua previsão foi regulada na nova Lei de Licitações de modo similar ao que tem sido praticado.

O novo texto trata também do processo de pré-qualificação, que uma vez adotado, habilita as empresas que poderão entregar as propostas. Essa ordem deveria ser uma regra e não uma opção, porque o edital que prevê a abertura dos preços para, depois, avaliar se a empresa vencedora estaria qualificada é passível de impugnações infundadas praticadas com objetivos escusos de corrupção. 

Fiscalização

O texto da nova Lei optou por carregar nos editais e nos contratos a responsabilidade por empregar as regras de fiscalização e os critérios para recebimento, provisório e definitivo, do objeto contratado. Como resultado, poderão surgir regras exacerbadas que logo se converterão em paradigmas.

A ausência de um padrão para fiscalização e recebimento dos serviços executados pode levar a práticas de corrupção. , pela elaboração de editais com exageradas regras e exigências, uma janela para a prática do criar dificuldades para vender a facilidade. 

Modalidades, tipos e regimes de licitação

São três os elementos que compõem os procedimentos de licitações:

  1. Modalidades: regem as faixas de preço e os procedimentos de convocação e apresentação das propostas;
  2. Tipos: estabelecem como os preços são apresentados e julgados;
  3. Regimes: definem como os contratos serão executados.

Modalidades

O texto da nova Lei de Licitações extinguiu as modalidades convite e tomada de preços e optou também por eliminar qualquer entendimento que possibilitasse o emprego da modalidade de pregão para a licitação de obras. Restou a concorrência como modalidade única de licitação de obras.

A dispensa de licitação em obras foi ampliada de R$ 15 mil para valores até R$ 100 mil. 

O legislador optou apenas por incentivar que as licitações ocorram sob a forma eletrônica, sem eximir a possibilidade de ocorrerem no formato físico. Portanto, devido a ter sido previsto o desenvolvimento de um padrão de tecnologia que garanta, por exemplo, a abertura das propostas entregues somente a partir de uma data e horário determinados, é cediço que prevalecerá ainda por um bom tempo o método tradicional nas licitações.

Tipos

Os tipos de licitação admitidos para as contratações de obras foram ampliados. Antes, era previsto apenas o tipo de licitação pelo menor preço e agora, temos:

  • Menor preço;
  • Maior desconto;
  • Técnica e preço;
  • Maior retorno econômico.

Regimes

O julgamento das propostas pelo tipo maior desconto é um desdobramento do processo de escolha da licitação no regime de empreitada global que a Lei 8.666/1993 considera como tipo menor preço.

Importante ter sido previsto o julgamento se dar por referência ao preço global. Consequentemente, fica impossibilitando de ocorrer descontos diferentes entre os itens das propostas. Em outras palavras, ficam impossibilitadas as jogadas de planilhas, conhecida prática que tem o intuito de promover o sobrepreço quando da execução das obras. 

Os regimes de licitação definem como os contratos serão executados. Antes haviam as empreitadas (integral, por preço unitário ou preço global) e as contratação por tarefa. Agora, além dessas, passam a vigorar também as contratações integradas e semi-integradas e o fornecimento e prestação de serviço associado.

Comissão de licitação

A nova Lei de Licitações foi contemplada com um capítulo exclusivo sobre as pessoas designadas para condução das licitações. Agora a lei prevê a necessidade de as pessoas reunirem certas competências e de não possuírem vínculos familiares ou financeiros com os licitantes.

Neste, foi nomeado o agente de contratação, responsável por decidir, acompanhar, conduzir e executar as atividades necessárias em todo o processo de licitação. 

Previsão orçamentária

Foi instituída a figura do plano de contratações anual. Esse plano passa a ser premissa para abertura de um processo licitatório.

O plano de contratações reúne informações detalhadas sobre os projetos a serem contratados e executados. Apesar disso, não há garantias mínimas sobre os pagamentos serem efetuados no prazo ou da proteção sobre qualquer outra medida de impacto financeiro que possa levar a paralisação das obras.

O limite de prazo para se justificar a solicitação do encerramento de contrato por atrasos de pagamentos foi reduzido de 90 para 60 dias. No entanto, isso é irrelevante. Dificilmente as empresas optam por denunciarem os contratos com atrasos de pagamentos.

Não foram afastados os riscos de atrasos nos pagamentos. Além disso, os contratos de obras públicas ainda não se viram livres dos impactos nas mudanças de prioridades que ocorrem nas transições de governos. Como resultado, há aqui ainda um pouco de resquícios das conhecidas obras eleitoreiras. Os políticos não costumam dar prioridade para concluir as obras de seus adversários antecessores.

Considerações finais

Mesmo contando agora com um capítulo de destaque, uma das maires frustrações sobre a nova Lei de Licitações está nas modalidades de garantia. Apesar de as propostas iniciais de texto para Lei chegarem a considerar garantias de 20% até 30%, foram mantidas as garantias em até 5% sobre os valores dos contratos, admitido ampliar até 10% para os casos justificados.

Isso está muito distante do que seria o avanço esperado, seguros de 100% sobre os valores dos contratos.  

Em geral, as modernizações foram tímidas, porém importantes. Acima de tudo, destacam-se a amplitude do novo PNCP e a preferência pela adoção da Modelagem da Informação da Construção (Building Information Modelling – BIM) ou de tecnologia similar ou superior que venha a substituí-la.

Ainda há dependência das regulações, e isso limita comentários e críticas sobre algumas das novidades da Nova Lei de Licitações. Que os próximos desdobramentos tragam boas surpresas, como o PNCP.

Em suma, as críticas sobre a prevalência de burocracia exagerada na Lei na realidade deveriam recair exatamente onde há falta de burocracia. Pois, tudo que não é padronizado e, por conseguinte, é levado para ser definido nos editais de licitação, acaba por gerar excessos. Excessos, que logo se consolidam em penosos paradigmas.



Autor: Marco Antonio Portugal
Marco Antonio Portugal. Mestre em Gestão da Inovação e Engenheiro Civil pelo Centro Universitário da FEI, com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV, MBA Executivo em Administração pelo Ibmec e MBA em Administração pelo Centro Universitário da FEI, possui mais de 25 anos de experiência no setor de Construção Civil. Possui certificação como Project Management Professional – PMP® pelo Project Management Institute – PMI.

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