Suprimentos e o ‘novo normal’ na construção civil

A alta e a escassez de suprimentos é apenas um dos efeitos da pandemia de COVID-19. Certamente seus efeitos já são presentes na construção civil mundial, setor da economia classificado como o maior ecossistema do mundo. 

Em seu relatório de junho de 2020 intitulado The next normal in construction, ou O próximo normal na construção, em português, a McKinsey & Company revela as tendências de demandas no ecossistema da construção civil no mundo, como isso afetará os agentes do setor e como eles podem se adaptar.

Sobretudo, a complexidade entre todas as interações dos elos e dos processos do setor da construção civil é um desafio por si só.

Entretanto, considere ainda as características da baixa produtividade e rentabilidade do negócio, somadas aos baixíssimos índices de digitalização entre os setores da economia.

Os dados e as características dessa indústria entre os países não divergem do cenário geral. Por fim, todo esse quadro acaba por dar margens para potenciais desvios, o que observamos especialmente em obras públicas.

Todavia, o atual quadro em que se encontra o setor não teria se formado somente com o evento da COVID-19. Revela-se, contudo, que esse quadro, característico do setor por décadas, seria ineficaz e moroso para reagir às atuais demandas de mercado.

Por isso maior agilidade, transparência e produtividade são vitais e, agora, a forma que reagirá o setor mediante às atuais demandas definirão o seu ‘novo normal’, com o sucesso e sobrevivência das empresas que se adequarem ao novo ecossistema.

A seguir apresento um resumo sobre os principais pontos trazidos por esse relatório, complementados com uma reflexão sobre a realidade do mercado brasileiro da construção civil.

Suprimentos e a pressão por custos

A pressão por custos, associada a alta demanda, é uma das condições mais esperadas após uma crise. Além disso, há necessidade de se investir em infraestrutura para retomar o crescimento.

O relatório da McKinsey revela que serão necessários em torno de US$ 69,4 trilhões em investimentos mundiais até 2035.

Esse volume de investimentos, com a austeridade econômica pós-crise, causarão uma pressão pela execução de projetos com custos cada vez mais otimizados para serem considerados viáveis.

Essa enxurrada de ofertas mundiais por infraestrutura fará com que investimentos estrangeiros priorizem ainda mais projetos que ofereçam riscos e oportunidade melhores e, especialmente, uma segurança jurídica maior.

Simultaneamente, a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) torna-se um fator estratégico preponderante para garantir a atratividade desses investimentos. 

Produtividade

Nesse contexto de alta demanda e com pouco recurso a já deficitária produtividade, característica do setor, será ainda mais pressionada.

Por outro lado a mobilização da mão de obra não responde na mesma velocidade da demanda. Visto que há países e regiões onde a escassez da mão de obra já era uma realidade antes da crise. Entretanto, com o novo quadro, essa situação tende a se agravar.

A saúde ocupacional é outra relação que poderá prejudicar a produtividade se daqui em diante não for adequadamente compreendida e empregada. 

As atividades do setor demandam inúmeros protocolos de segurança a serem seguidos para garantia da integridade física dos trabalhadores. Contudo, exigências excessivas prejudicam a produtividade.

Entretanto, não há um consenso mundial a respeito desses padrões. Isso faz surgir um desequilíbrio entre os países e uma competitividade desigual. É esperado que esse desequilíbrio seja equalizado com a eminente necessidade de revisões sobre esses padrões ao nível global, incluindo agora as preocupações com eventuais contaminações endêmicas.

Processos produtivos

A especificidade é uma das principais características dos projetos de construção.

Pouco, ou quase nada, se aproveita de um projeto para outro. A princípio os projetos são customizados, elaborados para atenderem a requisitos específicos. Isso reduz a produtividade e prejudica a previsibilidade dos fabricantes de materiais de construção sobre as demandas.

Um comparativo com a indústria automobilística sempre deixa essa questão mais clara.

Uma montadora produz milhares de unidades de um modelo de veículo. Utiliza, para tanto, de um único processo produtivo (mesmos equipamentos, mão de obra e demais insumos necessários). A construção civil não possui a mesma vantagem de escala.

Na construção civil cada produto é único, em todos os aspectos. Isso dificulta, por exemplo, o aprendizado da mão de obra para propiciar o aumento da produtividade com o tempo.

A construção modular já foi uma realidade no Brasil nas décadas de 1980 / 1990. É o que mais se aproximaria da industrialização no setor da construção civil.

Hoje, talvez não com toda força como já demonstrou ter, porém ainda é presente. Tem recentemente ressurgido em outros nichos, voltados para construções de menor porte como residências e obras horizontais.

Talvez agora um casamento de ‘vontades’ permita acontecer a industrialização do setor da construção civil. Isso pode tornar a construção modular um valioso nicho de mercado.

Em princípio, poderemos ter mais clientes na busca por preços melhores. Eles estarão abertos a escolherem produtos “de prateleira” ao invés do desenvolvimento de projetos tradicionais.

Em contrapartida, uma pronta-resposta do setor, desenvolvendo e aprimorando linhas de produtos com essas características de construção.

Novos entrantes

Todas as mudanças que causam impactos na economia geram movimentos, bons ou ruins. O principal movimento esperado no setor da construção civil é um maior surgimento de empresas para competirem, iniciantes e advindas da internacionalização.

Ambos os perfis de empresas proporcionarão ao setor a oferta de novas tecnologias de produção e de gestão.

Esse movimento virá pela cultura das empresas estrangeiras e pela formação das novas empresas que normalmente nascem com perspectivas que vão além do tradicionalismo característico do setor, apoiadas por parcerias com Construtechs (startups da construção civil), inovadoras e de baixo custo operacional.

Maior concorrência estimula o desenvolvimento do setor e contribui no combate à corrupção.

Digitalização

Apesar do setor da construção civil oferecer um vasto potencial a ser explorado, o uso das tecnologias nos seus processos nunca foi o seu forte.

Apesar dos processos de construção e de gestão cada vez mais otimizados, que permitam a redução de custos pelo menor emprego de recursos operacionais e de gestão e, ainda, a diminuição do tempo de execução dos projetos, levarão a uma exposição maior a riscos.

Assim, o domínio das informações, garantido apenas pelo emprego de tecnologias e capacitação da sua força de trabalho, é o modo mais rápido, barato e eficiente de se mitigar esses riscos.

O produto da construção civil deverá ser pensado como se fosse um processo industrializado e para isso ser possível a utilização dos dados será crucial para o processo de tomada de decisão.

Modelos de contratos tradicionais, como engenharia, suprimento e construção (EPC) deverão partir de estruturas de modelagem e informações da construção (BIM), que elevem o controle e a integração da cadeia de suprimento a um nível industrial. 

Voltando ao exemplo utilizado aqui anteriormente, seria uma maneira de tentar equiparar a indústria da construção civil às vantagens da indústria automobilística.

Em primeiro LUGAR, estudar e desenvolver o design do produto até tê-lo totalmente especificado, para depois planejar e operar a cadeia de insumos, seguida por fim pela produção, que no caso da construção civil significa tornar o canteiro de obra uma ‘linha de montagem’.  

Esse nível industrial na construção civil consistiria de um mesmo modo exercer maior controle sobre o percurso de um componente da construção. Exemplos: uma fachada, um banheiro modular, acompanhado desde o seu desenho, passando pela fabricação, pelo gerenciamento da cadeia de suprimentos, até a sua aplicação.

Suprimentos otimizado

Por fim, surgem como facilitadores os canais digitais. Desse modo, o emprego do Gerenciamento de Relacionamento com Fornecedores, ou SRM, sigla em inglês para Supplier Relationship Management, permite, por meio de parcerias, a otimização da cadeia de suprimentos e uma maior eficiência das compras.

Dessa maneira o processo de suprimentos deixa de ser apenas um processo de compras e as operações comerciais ocorrem cada vez mais de modo online.

Lembre-se que cadeias de fornecedores em suprimentos são fundamentais, e devem ser bem geridas porque fazem uma grande diferença na lucratividade da sua obra.



Autor: Marco Antonio Portugal
Marco Antonio Portugal. Mestre em Gestão da Inovação e Engenheiro Civil pelo Centro Universitário da FEI, com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV, MBA Executivo em Administração pelo Ibmec e MBA em Administração pelo Centro Universitário da FEI, possui mais de 25 anos de experiência no setor de Construção Civil. Possui certificação como Project Management Professional – PMP® pelo Project Management Institute – PMI.

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